%%%

Notícias Contábeis


Como chegou ao fim o sonho de Selic em um dígito neste ano

20/05/2024

WhatsApp
Facebook
Twitter
LinkedIn

As expectativas de que o Banco Central baixasse a taxa Selic para um dígito chegaram ao fim com a revisão do consenso para 10% no boletim Focus desta segunda-feira, 20. O reajuste das expectativas ocorre na semana seguinte à divulgação da ata do Comitê de Política Monetária (Copom), que trouxe mais detalhes sobre a divisão entre os diretores que optaram pela manutenção e pela redução do ritmo de cortes. A perspectiva de juro mais alto foi acompanhada da piora das expectativas de inflação para este e o próximo ano, com o Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA) projetado para 2024 e 2025 passando para 3,8% e 3,74%, respectivamente, acima da meta de 3%.

Na última decisão, 5 diretores decidiram por um corte mais brando de 0,25 ponto percentual (p.p.), enquanto os outros 4 votaram pela continuidade do corte de 0,50 p.p., já sinalizado na reunião anterior. O detalhe é que todos os diretores que votaram por um corte de juros mais forte foram indicados pelo atual governo. Essa diretoria indicada pelo atual governo passará a ser maioria no fim do ano, data que coincide com o término do mandato do presidente do BC, Roberto Campos Neto.

"Essa decisão gerou a percepção de que podemos estar diante de um novo Banco Central. Isso deve levar ao aumento das expectativas de inflação, que aumentam o custo da política monetária", afirmou Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC e chairman da Jive-Mauá, em entrevista recente ao Vozes do Mercado, da Exame. 

Manter as expectativas de inflação próximas da meta e controlar a inflação corrente é o principal objetivo do Banco Central. Para isso, a instituição tem em mãos algumas ferramentas, sendo a taxa de juro de curtíssimo prazo uma das principais, por ser a base do juro de toda a economia.

Só que a mera sinalização de que, apesar do aumento de riscos, o BC será mais sensível a cortes de juros pode, com a piora das expectativas de inflação, ter um efeito contrário. Isso é o que disse Bruno Serra, ex-diretor do BC e gestor do Itaú, em evento com investidores após a publicação da ata do Copom. "O ciclo de corte de juros está limitado porque o mercado está questionando a credibilidade dessa transição no Banco Central", disse.

Diante da repercussão negativa, um dos diretores indicados pelo atual governo e favorito para assumir a presidência do BC, Gabriel Galípolo voltou atrás e afirmou, em evento em Nova York, que chegou a ponderar um corte de 0,25 p.p. na última reunião. Campos Neto, em entrevista ao Estadão, também fez questão de ser mais duro, deixando a porta aberta para interromper o ciclo de cortes na próxima decisão, ainda com a Selic em 10,5%.

Nas últimas semanas, a projeção de Selic para o fim deste ano aumentou de 9% para 10%, enquanto a taxa projetada para o fim de 2025 passou de 8,5%, para 9%. Mas ainda que as incertezas sobre o BC tenham entrado na conta, a piora do cenário macroeconômico tem um peso relevante.

O fim da "ilusão fiscal"
Um dos principais fatores para maior cautela na condução da política monetária, como exposto pelo próprio BC, a piora das perspectivas fiscais. Em abril, vale lembrar, o governo decidiu alterar a meta fiscal para os próximos anos. A meta que era de um superávit primário de 0,5% em 2025 passou para ser de zerar o déficit. Para 2026, 2027 e 2028 as metas passaram de superávits consecutivos de 0,25%, 0,5% e 1%. Pela projeção anterior, apresentada na lei do novo arcabouço fiscal, era de um superávit de 1% já em 2026. 

Diante da mudança de cenário, a Verde Asset, de Luis Stuhlberger, chegou a afirmar que "caiu por terra a ilusão fiscal do governo". Em carta a investidores, a gestora, uma das mais influentes do mercado brasileiro, disse que a mudança de meta "trouxe sinais bastante preocupantes de que os limites de crescimento real dos gastos desenhados pelo arcabouço são fictícios".

O cenário externo também piorou, com as dúvidas sobre o início dos cortes de juros americanos pesando sobre a decisão. Os títulos do Tesouro dos Estados Unidos são considerados os ativos mais seguros do mundo e qualquer mudança de preço, seja nos títulos de curto ou longo prazo, tem repercussão global.

Fator Fed
Em relação ao Brasil, quanto mais tempo demora para o Federal Reserve (Fed) começar o ciclo de corte de juros nos Estados Unidos, mais pressionada tende a ficar a moeda brasileira, limitando a atuação do Banco Central. Isso porque, com o Brasil cortando sua taxa e os EUA mantendo estável, o diferencial de juros entre as duas economias diminui, tornando menos atrativos os títulos brasileiros.

Havia a expectativa, no início do ano, de que o Federal Reserve pudesse fazer até sete cortes de juros neste ano, iniciando em março. Até agora, nenhum foi feito e quase ninguém no mercado vê espaço para mais de dois cortes ainda em 2024. Para muitos, pode haver apenas um corte, após o término das eleições americanas, já que existe a premissa de que a mudança de abordagem durante a corrida eleitoral pudesse gerar questionamentos políticos.

Embora tenha conseguido tirar a inflação das máximas em 40 anos, o Federal Reserve tem tido dificuldade em devolvê-la para a meta de 2%. O Índice de Preço sobre Consumo Pessoal (PCE, na sigla em inglês), principal métrica de inflação do Fed, voltou a acelerar em março, indo a 2,7% -- o maior patamar desde outubro. Uma das preocupações é a resiliência do mercado de trabalho, que, mesmo diante da alta de juros, ainda está com desemprego baixo. Para os economistas, seria necessário o aumento do desemprego para que a inflação estivesse suficientemente controlada para a queda de juros.

David Beker, economista de América Latina do Bank of America, acredita que, diante do aumento de riscos, o Banco Central fará apenas mais um corte de 0,25 p.p. em junho e terminará o ano com a Selic em 10,25%. Sua expectativa, afirmou em relatório, é de que com o Fed iniciando o ciclo de queda de juros no fim do ano, as condições melhorem para que o BC volte a cortar a Selic no Brasil. A projeção da casa, assim como a do Focus, é de Selic a 9%, mas só em 2025.


Fonte: Exame.